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Out18

Mercado imobiliário

Venda de imóveis às avessas!

Em tempos de inovações, está nascendo um novo negócio imobiliário, às avessas. Ele acontece quando o comprador de um lote se compromete a pagar o preço de forma parcelada. Normalmente, os prazos são extensos, em média, doze anos.

O empreendedor executa as obras de infraestrutura do empreendimento, antes ou no curso do contrato de financiamento e a posse, geralmente, é transmitida ao comprador na assinatura do compromisso de compra e venda.
Ocorre que, quase sempre, no primeiro ano da transação imobiliária, o comprador fica inadimplente, priorizando a construção da sua casa em detrimento ao pagamento das prestações do lote. É aí que começa a via crucis do vendedor. Primeiro, com a dificuldade de constituir pessoalmente em mora o devedor. Depois, vem a árdua missão em se conseguir citá-lo em ação de rescisão contratual e aguardar o seu  trâmite por, no mínimo, cinco anos.

Não bastassem tantas dificuldades, o comprador  traz em sua defesa o pedido de indenização por benfeitorias que foram implantadas no imóvel, e, mesmo inadimplente, pleiteia  a  devolução das parcelas pagas de forma integral. O pedido de indenização por  benfeitorias realizadas é formulado ao arrepio dos normativos regedores da matéria (Código Civil Brasileiro,  Lei 6.7666/79, em seu art. 34, parágrafo único, que  dispõe que não serão indenizadas as benfeitorias, em desconformidade com o contrato ou com a lei).

Não importa  se  a Lei 6.766/79 (Lei do Parcelamento Urbano), preveja que para a indenização das benfeitorias há que se observar a regularidade da obra perante os órgãos competentes. Não importa, ainda, que o custo de regularização tardia da obra corresponda a 30% do seu valor, com o pagamento de todos os impostos, INSS, além dos custos da averbação da construção, habite-se e seu registro na matrícula junto ao Cartório de Registro de Imóveis.

Não importa, ainda mais, que se alegue que as benfeitorias executadas, após a devida constituição do inadimplente em mora, padeça do vício da precariedade, o que o torna possuidor de má-fé. E, mesmo que o vendedor sustente que não tem interesse nas benfeitorias e que elas podem ser demolidas pelo comprador, com direito a recolher o material utilizado, alegando que não consegue garantir a segurança e solidez do imóvel porque não participou da sua construção.

Mesmo com todos estes senões, o Judiciário acredita que configura enriquecimento sem causa o fato do vendedor retomar o imóvel que ele vendeu e não recebeu o preço ajustado, acrescido de uma benfeitoria que não lhe interessa, haja vista não ter sido o objeto do negócio jurídico entabulado entre as partes.

Nasce, então, esta nova modalidade de negócio, qual seja “a venda às avessas”. De vendedor de lote ele passa a ser o comprador da casa edificada pelo devedor. Negócio com liquidez e rentabilidade que o mercado imobiliário não garante e não absorve. Só mesmo o Judiciário é capaz  de entender a lógica deste negócio. Muitas vezes, com raras exceções, por não entender como funciona o mercado imobiliário, notadamente nestes novos tempos, onde há excesso de oferta e de distratos. Sem contar o fato inconteste de que, muitas vezes, este imóvel semi-concluído não atende às reais necessidades/possibilidades do novel comprador, ficando anos a fio desocupado, sem que apareça um candidato.

O final dessa história termina com o proprietário do lote arcando com os custos de avaliação ou perícia para se precificar o valor da benfeitoria, que ele terá que indenizar de uma única vez e à vista, para retomar o imóvel que é dele, cujo preço não foi pago.

E o custo do devedor inadimplente? Nenhum!  Ele não recolheu impostos ou taxas, INSS, ou qualquer outro encargo sobre a construção; não teve que regularizá-la, não terá que arcar com ônus da corretagem, não arcará novamente com nenhum imposto já que os valores a título de indenização por benfeitorias são depositados em juízo sem qualquer dedução.

Ainda, que esse devedor não precisa de ter CPF "limpo" ou cadastro aprovado pelas instituições financeiras acostumadas a conceder crédito para financiamento de imóveis, já que ele está "vendendo" sua casa através de uma decisão judicial. E quanto à evicção? E se houver execução em curso contra este devedor? O empreendedor terá que enfrentar uma anulatória daquela “venda”?

Usualmente, este “vendedor” sequer paga as custas do processo e honorários advocatícios porque é beneficiário da justiça gratuita. Por fim, raras são as vezes que ele paga a taxa de fruição (assemelha-se a um aluguel pelo período que a pessoa mora em imóvel alheio), porque a jurisprudência não é pacífica nesse sentido e há diversas decisões desacolhendo a fruição em lote urbano, mesmo que haja edificação no imóvel e a pessoa esteja residindo no mesmo ou, não raro, alugando para outrem. Enfim, negócio bom é ser comprador inadimplente e construir em terreno alheio! Usufruir do imóvel pelo tempo que dura um processo e sair do mesmo sem nada pagar, recebendo a devolução das parcelas pagas de forma atualizada, com retenção de parcos 10%, com indenização das benfeitorias, tudo pago à vista e de uma única vez, que vai lhe permitir comprar outro lote, edificar novamente e ficar inadimplente, recomeçando o mesmo círculo vicioso, com o respaldo do Judiciário.

Mas e o vendedor de lote? O que aconteceu com ele? Restam-lhe duas alternativas:

1a. Tenta vender o imóvel irregular, sem poder garantir a segurança da edificação e por consequência tendo que baixar muito o valor que ele foi obrigado a indenizar pelas benfeitorias, em um mercado extremamente recessivo. Se tudo der certo,  conseguirá vender o lote com a edificação  em 120 meses, arcando com todos os impostos e demais custos.

2a. Tenta regularizar a  edificação perante o INSS e a Prefeitura Municipal, já tendo arcado com os custos de projeto, aprovação, alvará, registro, impostos e, tendo a felicidade de ser exitoso nesta empreitada,  ou seja, conseguir vender o imóvel pelo preço das benfeitorias que ele pagou à vista ao comprador inadimplente, juntamente com o lote, em 120 meses!

Isso se o novo comprador também não ficar inadimplente... e recomeçar a ciranda viciosa!


Ana Cristina Dias
Advogada, Diretora-Adjunta do IBRADIM, em Goiás e Coordenadora da Subcomissão de Loteamento da Comissão de Direito imobiliário e Urbanístico da OAB/GO.